quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Plantão médico a distância

Saúde à Distância

Com poucos recursos e criatividade, programa de telessaúde atende mais de 10 milhões de brasileiros.



Quando o temor pelo vírus H1N1 bateu no município de Salto do Pirapora, mais de 200 famílias do bairro de Santa Maria não tiveram dúvida. Correram até a agente de saúde comunitária Lourdes da Costa Martins para descobrir se a gripe A tinha chegado à localidade, distante 122 quilômetros de São Paulo. Lourdes pesquisou os sintomas e métodos de prevenção da doença no site do Programa Nacional de Telessaúde — Atenção Primária à Saúde (http://www.telessaudebrasil.org.br/) para atender a essa demanda e rapidamente tranquilizou a comunidade. Felizmente, pelo menos até aquele momento, a gripe A deu as caras por ali somente nas telas de TV.

Só que, até o ano passado, o processo seria bem diferente. “Eu estaria na barra da saia da enfermeira da Unidade Básica de Saúde (UBS) querendo tirar minhas dúvidas”, conta. Na UBS do bairro vizinho, o pneumologista Júlio César Marciano utiliza o mesmo sistema para obter uma segunda opinião antes de fechar um diagnóstico complicado ou enviar o paciente para outra cidade. Segundo ele, desde outubro do ano passado, pelo menos dez casos, que antes seriam encaminhados para municípios vizinhos, foram resolvidos na própria unidade.

A cidade, que tem 40 mil habitantes e apenas uma Santa Casa, é um dos 735 locais espalhados por nove estados brasileiros que participam do Programa Nacional de Telessaúde. Lançada em 2007, a iniciativa tem o objetivo de integrar as equipes da Estratégia Saúde da Família aos principais centros médicos do país. Tudo a distância e com foco na atenção primária à saúde. Para isso, as UBS recebem computador, webcam, câmera digital e impressora. Estima-se que 10 milhões de pessoas já estão sendo beneficiadas.

A ideia, contudo, não é novidade no país. Em 1997, o curso de medicina da USP foi o primeiro no Brasil a incorporar a disciplina de telemedicina ao seu currículo. Todavia, segundo Chao Lung Wen, coordenador da disciplina e do Núcleo de Telessaúde de São Paulo, até 2002 a consolidação de projetos de atendimento médico a distância era quase uma utopia. Para ele, os avanços (e o barateamento) em fotografia digital, telefonia e informática favoreceram uma virada no progresso na história da telemedicina mundial.

Em Salto do Pirapora, os 60 agentes comunitários ligados ao Telessaúde Brasil, por enquanto, se revezam para acessar os cursos online em um único computador. Em breve, outras unidades serão equipadas com investimento da prefeitura. Servido por apenas uma empresa de banda larga (que já está com seus pontos de acesso esgotados), o município enfrenta sérios problemas de conectividade. Por isso, é quase impossível assistir aos vídeos do programa. Videoconferência? Nem pensar. O kit completo previsto para as unidades do núcleo de São Paulo, que contém câmera digital e um adaptador dermatoscópico e oftalmológico, ainda não chegou por lá.

Jeitinho brasileiro

A solução, segundo Marciano, é dar um “jeitinho”. Brasileiríssimo, por sinal. Com uma câmera digital compacta de 5,1 MP ele fotografa radiografias e as envia com outros dados para o CyberAmbulatório — uma espécie de prontuário online compartilhado com especialistas da USP. Em 48 horas o pneumologista recebe o diagnóstico e, até, algumas orientações. “Apareceu aqui um paciente com sintomas de tuberculose. Mesmo após o tratamento as radiografias acusavam algumas manchas no pulmão. Encaminhamos o caso pelo programa e foi diagnosticado que ele estava com um tumor”, lembra. Em outros tempos, de acordo com ele, o paciente teria que perambular por uma série de médicos (e cidades) até chegar ao diagnóstico.

Saúde para o bolso

De cada 100 pessoas atendidas por uma das 330 unidades ligadas ao Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG, em Minas Gerais, apenas 30 precisam ser encaminhadas para outras cidades. Além de diminuir o tempo de atendimento, que em alguns casos pode ser vital, a redução de encaminhamentos, de acordo com pesquisa comparativa feita pela universidade, representou economia média de até 1 701,80 reais por mês a 20 municípios mineiros. “Para o governo, é duas vezes mais barato utilizar a telemedicina”, observa Maria Beatriz Alkmim, coordenadora do serviço que tem investimentos federal e estadual e conta com outras cinco universidades.

Diante desses dados, no estado do Amazonas, onde o acesso a algumas regiões é mais complexo do que em Minas Gerais, serão implantadas 50 antenas de satélite até o fim do ano. “Cada ponto terá internet com velocidade de 300 Kbps”, prevê Cleinaldo de Almeida, coordenador do núcleo no Amazonas. Em regiões também remotas no Peru, Colômbia e Cuba, a proposta do Enlace Hispano-Americano de Salud, ligado à Universidade de Madri, na Espanha, é integrar redes VHF com redes Wi-Fi e VoiP como estrutura de apoio para as iniciativas em telemedicina. Em nove meses de projeto piloto na província de Alto Amazonas, no Peru, observou-se que o tempo de transferência de um paciente para outro hospital mais especializado foi reduzido em 40%. Acredita-se que em dois anos de atividades a economia gerada pelo programa pague todo o investimento.

3G na ambulância

Apesar das propostas de dimensões transnacionais, a medicina a distância, segundo os especialistas ouvidos pela INFO, não requer (necessariamente) um aporte tecnológico tão de ponta e especializado como se imagina. “Basta aplicar as tecnologias que já estão no mercado”, afirma o doutor Chao Lung Wen. Nessa linha de raciocínio, o médico vê, com brilhos nos olhos, o potencial das redes de telefonia celular com tecnologia 3G para o teleatendimento de medicina.

Dez ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) espalhadas pelo Brasil já utilizam a internet pela rede 3G para agilizar o atendimento a pacientes com infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral.

“Nesses casos, cada minuto perdido sem aplicar um diagnóstico implica na redução de 11 dias de vida ao paciente”, aponta Rubens Nascimento Pinto, diretor de informática da empresa farmacêutica Boehringer Ingelheim, idealizadora do projeto.

Dessa forma, no percurso até o hospital, o exame cardíaco é feito com um eletrocardiógrafo digital dentro da viatura do Samu. Por meio de um notebook, os paramédicos enviam as informações para os cardiologistas da Central de Saúde, que fica em São Paulo. Em dez minutos os especialistas analisam remotamente o quadro e dão o veredicto sobre o caso. Desde o ano passado, quando o projeto foi lançado, 450 pessoas infartadas foram atendidas rapidamente por esse sistema. O número corresponde a 3% de todos os atendimentos efetuados pelas equipes do Samu.

Monitoramento por Wi-Fi

De olho nessa tendência, algumas empresas brasileiras estão projetando novos produtos em telemedicina. A HI Technologies, da Incubadora Tecnológica de Curitiba (Intec), criou um sistema que adiciona conectividade Wi-Fi aos equipamentos de monitoramento dos pacientes internados. Já os irmãos Rafael e Ricardo Clemente, fundadores da Intensys Sistemas e Tecnologias da Saúde, incubada na Coppe/UFRJ, estão desenvolvendo uma plataforma que integra os dados desses mesmos dispositivos e os envia para o celular. “O sistema permite que o médico configure um conjunto de regras que relaciona essas informações”, explica Rafael.

Telecirurgia

O trabalho remoto dos médicos também tem tudo para, em breve, começar para valer nos centros cirúrgicos mais avançados do país, como os dos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês. Ambos já contam com o sistema robótico Da Vinci. Comandado via joystick por um médico no centro cirúrgico e com precisão semelhante às pinceladas da obra Monalisa, o robô garante que os pacientes tenham recuperação mais rápida. O Da Vinci é a aposta dos especialistas para o futuro dos procedimentos cirúrgicos a distância. “O problema são os aspectos legais. De quem será a responsabilidade pela cirurgia?”, pondera o cirurgião urologista do Hospital Sírio-Libanês, Anuar Mitre, que também foi um dos protagonistas da primeira telecirurgia realizada na América Latina, em 2000. Na ocasião, o médico americano Louis Kavoussi, do Johns Hopkins Hospital, nos Estados Unidos, manipulou com um controle, de sua casa, equipamentos como a câmera utilizada na cirurgia. No Brasil, Mitre seguiu as orientações do americano para comandar o procedimento.

220 mil eletrocardiogramas foram analisados pelo Serviço de Teleassistência do Hospital das Clínicas da UFMG nos últimos três anos.

70% dos encaminhamentos de pacientes para outros municípios foram evitados em Minas Gerais.

1 320 exames dermatológicos foram realizados pelo núcleo de telessaúde do Amazonas em 2008.



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